No Século XX, mas, sobremaneira, Século XXI, tem-se observado muitas mudanças na compreensão da família, especialmente, ao que se tem chamado comumente de família tradicional, ou seja, da família constituída com pai, mãe, filhos, morando numa casa, ambiente comum da família. A denominada família tradicional, e tradicional não tem aqui sentido negativo ou pejorativo, não foge aos padrões atribuídos, já, há muito, a essa maneira sociocultural de compreender a família. Sem entrar no mérito e no juízo de tal leitura, lembra-se apenas que tal compreensão não será posto, por um lado, como o único e o exclusivo modo de leitura de família nos dias atuais, pois há outros modos de compreender a relação familiar. Mas, também, por outro lado, a família tradicional não será desvalorizada na perspectiva de que tal sentido esteja ultrapassado. Antes, pelo contrário, tal modo de compreensão de família, segundo nos parece, precisa ser ainda melhor compreendido e valorizado.
O objetivo neste espaço de reflexão não é elencar uma série de pontos de tensão acerca da compreensão de família nos tempos hodiernos. Trata--se, outrossim, de destacar alguns elementos importantes da espiritualidade da família à luz da família de Nazaré. Urge, para tanto, em primeiro lugar, delimitar o ponto de partida para a compreensão da importância da família de Nazaré, a saber: por um lado, não é possível aceitar a tese de que a família de Nazaré não tem absolutamente nada a dizer às famílias atualmente, Século XXI; por outro, não é prudente idealizar de tal modo a família de Nazaré de maneira a inviabilizar o caminho itinerante da família contemporânea, tornando a família de Nazaré um modelo quase que inatingível.
Assume-se, então, aqui, a postura de que a família de Nazaré é modelo, primeiro, por ser a família de Jesus, segundo, porque é a família que assume os desafios com toda confiança em Deus. A força e a coragem da família de Nazaré têm sua fonte primeira e última na graça de Deus.
Bem, lembrando que espiritualidade vem de Espírito. Espírito que é sopro. É ânimo. É coragem. É força. É vitalidade. É plenitude. É liberdade. É vida em Deus. E, lembrando, também, que Maria e José foram escolhidos e preparados por Deus para constituir a família de Jesus, a seguir, a duas características importantes que compõem a riqueza e a profundidade da espiritualidade da família de Nazaré, dar-se-á destaque.
a) Família de Nazaré, Maria e José, tem convicção de que o Plano de Deus está acima do plano pessoal. Acima não no sentido de ignorar ou desmerecer o plano pessoal ou mesmo o plano familiar, mas de iluminá-lo e orientá-lo na direção de lugar, de tempo e de sentido. Numa palavra, eles se sentem seguros e alegres por estarem “nas mãos de Deus”, ainda que eles sintam e sofram com as incertezas e as inseguranças de seu tempo. Sobre esse aspecto, veja-se, por exemplo, a atitude de Maria enquanto faz-se serva e ouvinte humilde e fiel à Palavra de Deus. Veja-se, também, a atitude de José enquanto ouve a voz do Anjo de Deus e busca compreender tudo o que se passa em torno a si e em torno à sua prometida esposa, Maria.
b) Família de Nazaré, Maria e José, tem convicção de que a participação no Plano de Deus é de muita importância e precisa ser acolhido e auscultado, ou seja, precisa ser discernido constantemente com atitude de liberdade, de amor, de temor a Deus e de entrega total.
Muitos foram os momentos de dificuldades pelos quais passaram José e Maria, mas eles não desanimaram e não se deixaram abater, porque, pela graça de Deus, pelo esforço pessoal, pela presença da comunidade, sentiam-se participantes e comprometidos com a realização do Plano de Deus.
Pois bem, diante das alegrias e dificuldades pelas quais passam as famílias do tempo atual, oportuniza-se, neste espaço, uma espécie de admoestação às famílias, para que sintam a alegria do chamado de Deus à participação no seu Projeto de Vida. As dificuldades e os desafios fazem parte da vida humana. Seria ingenuidade imaginar a vida de cada pessoa e a de cada família sem as alegrias e também as dificuldades. Importante é saber viver as alegrias e enfrentar as turbulências que a vida apresenta, assim como nos ensina a família de Nazaré.
Em sendo assim:
• que dentre tantas características de José, a confiança em Deus, o respeito a sua esposa, Maria, o cuidado e o zelo pela vida de Jesus, o trabalho, a vida de oração e a humildade possam ser motivação e ajudar aos pais de família a encontrar a beleza e a alegria da paternidade responsável;
• que dentre tantas características de Maria, a entrega a Deus, a escuta atenta à Palavra de Deus, o zelo pela vida de Jesus, o cuidado ao seu esposo, a ternura, a força, a coragem e a humildade, sejam motivação fundamental para a missão materna e terna de todas as mães;
• que todos nós, como filhos, saibamos acolher bem nossos pais, ouvir nossos pais, caminhar com nossos pais e sentir-nos família do Povo de Deus;
• que todos nós, como discípulos, sintamo-nos chamados a conhecer e a estar com o Mestre, e anunciá-lo a todos os povos e nações com convicção e alegria. Que nenhuma realidade da família humana seja indiferente à vida da família cristã. Que não tenhamos medo de enfrentar os desafios do tempo hodierno. Que tenhamos confiança e coragem de assumir a missão que o Senhor nos confia. Que a espiritualidade da família de Nazaré seja para todas as famílias uma palavra de conforto, de ânimo e segurança para trilhar o “caminho da vida”.
Pe. Paulo César Nodari - Diocese de Caxias do Sul/RS