NESTE SEGUNDO DOMINGO dedicado a São
José, podemos contemplar as virtudes pelas quais o Santo Patriarca é modelo
para todos os que, como ele, levamos uma vida corrente de trabalho. São Mateus,
ao apresentar o Santo Patriarca, escreve: José, seu esposo, sendo justo... (1)
Esta é a definição que o Evangelho nos dá de São José: homem justo.
A justiça não é somente a virtude que
consiste em dar a cada um o que lhe pertence: é também santidade, prática da
virtude, cumprimento da vontade de Deus. O conceito de justo no Antigo
Testamento é o mesmo que o Evangelho expressa por meio da
palavra santo. Justo é aquele que tem um coração puro e reto nas suas intenções,
aquele que na sua conduta observa todas as coisas prescritas a respeito de
Deus, do próximo e de si mesmo...(2) José foi justo em todas as acepções do
termo; nele se deram de modo pleno todas as virtudes, numa vida simples, sem
especial relevo humano.
Ao considerarmos as virtudes do Santo
Patriarca – por vezes ocultas aos olhos dos homens, mas sempre resplandecentes
aos olhos de Deus –, devemos ter presente que essas qualidades às vezes não são
valorizadas por aqueles que só vivem na superfície das coisas e dos
acontecimentos. É um hábito freqüente entre os homens “entregarem-se totalmente
às coisas exteriores e descuidarem as interiores, trabalharem contra o relógio;
aceitarem a aparência e desprezarem o que é efetivo e sólido; preocuparem-se
muito com o que parecem e não pensarem no que devem ser. Por isso as virtudes
que se apreciam são essas que entram em jogo nos negócios e no comércio dos
homens; pelo contrário, as virtudes interiores e ocultas de que o público não
participa, em que tudo se passa entre Deus e o homem, não só não se seguem como
nem sequer se compreendem. E no entanto, é nesse segredo que reside todo o
mistério da virtude verdadeira [...]. José, homem simples, procurou a Deus;
José, homem desprendido, encontrou a Deus; José, homem retirado, gozou de Deus”
(3). A nossa vida, como a do Santo Patriarca, consiste em procurarmos a Deus
nos afazeres diários, encontrá-lo, amá-lo e alegrar-nos no seu amor.
A primeira virtude que se manifestou na
vida de São José, quando descobriu a grandeza da sua vocação e a sua pequenez
pessoal, foi a humildade. Quantas vezes, ao terminar as suas tarefas, ou no
meio delas, enquanto olhava para Jesus ao seu lado, não se perguntaria a si
mesmo: Por que Deus me escolheu a mim e não a outro?, quem sou eu para ter
recebido este encargo divino? E não encontraria resposta, porque a escolha para
uma missão divina é sempre assunto do Senhor. É Ele quem chama e dá graça
abundante para que os instrumentos sejam idôneos.
Devemos ter em conta que o “nome de
José significa em hebreu Deus acrescentará. À vida santa dos que cumprem a sua
vontade, Deus acrescenta dimensões inesperadas: o que a torna importante, o que
dá valor a tudo – o divino. À vida humilde e santa de José, Deus acrescentou –
se assim me é permitido falar – a vida da Virgem Maria e a de Jesus, Senhor
Nosso. Deus nunca se deixa vencer em generosidade. José podia tornar próprias
as palavras pronunciadas por Santa Maria, sua Esposa: Quia fecit mihi magna qui
potens est, fez em mim coisas grandes Aquele que é Todo-Poderoso, quia respexit
humilitatem, porque olhou para a minha pequenez (Lc 1, 48-49). José era
efetivamente um homem comum, em quem Deus confiou para realizar coisas grandes”
(4).
O conhecimento da chamada, a grandeza e
a gratuidade da graça recebida confirmaram a humildade de José. A sua vida
esteve repleta de agradecimento a Deus e de assombro perante a missão recebida.
O mesmo espera o Senhor de nós: que vejamos os acontecimentos à luz da nossa
vocação, vivida na sua mais plena radicalidade (5), que nos enchamos sempre de
admiração diante de tanto dom de Deus e agradeçamos ao Senhor a bondade que nos
manifestou ao chamar-nos para trabalhar na sua vinha.
II. A INCRÍVEL PROMESSA de Deus não o
fez vacilar, mas, fortalecido pela fé, deu glória a Deus (6).
A fé do Patriarca, apesar da
obscuridade do mistério, manteve-se sempre firme, precisamente porque José foi
humilde. A palavra de Deus transmitida pelo anjo esclarece-lhe a concepção
virginal do Salvador, e José crê nela com simplicidade de coração. Mas as
névoas não tardaram a reaparecer: José era pobre, já dependia do seu trabalho
quando recebeu a revelação sobre o mistério da Maternidade divina de Maria; e
será ainda mais pobre quando Jesus vier ao mundo. Não poderá oferecer ao Filho
do Altíssimo um lugar digno para que nasça, pois não foi recebido em nenhuma
casa nem na pousada de Belém; e José sabe que aquele Menino é o Senhor, o
Criador dos céus e da terra. Depois, a sua fé será novamente posta à prova na
fuga precipitada para o Egito... O Deus Forte foge de Herodes. Quantas vezes
não se comprova que a nossa fé tem que reafirmar-se perante acontecimentos em
que a lógica de Deus é diferente da lógica dos homens! São José soube ver Deus
em cada acontecimento, e para isso foi necessária uma grande santidade,
resultado da sua contínua correspondência às graças que recebia. A sua
esperança manifestou-se no anelo crescente com que desejava a chegada do
Redentor, que deveria ficar aos seus cuidados. Depois, teve ocasião de praticar
esta virtude ao longo dos dias e anos em que viu o Menino crescer ao seu
lado..., e se perguntava a si mesmo quando é que Ele se manifestaria ao mundo
como o Messias. O seu amor por Jesus e Maria, alimentado pela fé e pela
esperança, cresceu de dia para dia. Ninguém os amou tanto como ele. Na vida
diária, sim, que pode albergar um amor excepcional.
III. A GRAÇA FAZ com que cada homem
chegue à sua plenitude, conforme o plano previsto por Deus; e não só cura as
feridas da natureza humana como também a aperfeiçoa. Os inumeráveis dons que
São José recebeu para cumprir a missão recebida de Deus e a sua perfeita
correspondência fizeram dele um homem cheio de virtudes humanas. “Das narrações
evangélicas depreende-se a grande personalidade humana de José [...]. Eu
imagino-o – diz Mons. Josemaría Escrivá – jovem, forte, talvez com alguns anos
mais do que a Virgem, mas na plenitude da vida e do vigor humano” (7).
A sua justiça, a sua santidade diante
de Deus deixava-se ver na sua honradez diante dos homens. São José era um homem
bom, na acepção perfeita da palavra: um homem em quem os outros podiam confiar;
leal com os amigos, com os clientes; honrado, cobrando o que era justo,
executando conscienciosamente os trabalhos que lhe encomendavam. Deus confiou
nele a ponto de encarregá-lo de cuidar do seu Filho e de Nossa Senhora. E não
se decepcionou.
A vida de São José esteve cheia de
trabalho: primeiro em Nazaré, depois talvez em Belém, mais tarde no Egito e por
último novamente em Nazaré. O seu ofício requeria naquela época destreza e
habilidade. Na Palestina, um “carpinteiro” era um homem hábil, especialmente
hábil e muito apreciado (8). Todos deviam conhecer José pela sua laboriosidade
e pelo seu espírito de serviço, que deve ter influído sem dúvida na formação do
seu caráter, certamente rijo e enérgico, como se deduz das diversas
circunstâncias em que aparece no Evangelho. Não podia ser outro o perfil humano
daquele que secundou com prontidão os planos de Deus e se viu submetido às mais
difíceis provas, conforme nos relata o Evangelho de São Mateus.
Ainda que o Evangelho não tenha
conservado nenhuma palavra sua, descreveu-nos as suas obras: ações simples,
cotidianas, puras e irrepreensíveis, que refletem a sua santidade e o seu amor,
e que devem ser o espelho em que nos olhemos, já que devemos santificar a vida
normal, como o Santo Patriarca.
“Trata-se em última análise – diz João
Paulo II – da santificação da vida quotidiana, que cada qual deve alcançar de
acordo com o seu estado, e que pode ser fomentada segundo um modelo acessível a
todos: "São José é o modelo dos humildes, que
o cristianismo eleva a grandes destinos. São José é a prova de que, para sermos
bons e autênticos seguidores de Cristo, não necessitamos de grandes façanhas,
mas somente das virtudes comuns, humanas, simples, mas verdadeiras e
autênticas" (Paulo VI, Alocução, 19-III-1969)” (9).
(1) Cfr. Mt 1, 18;
(2) cfr. J. Dheilly, Diccionário bíblico, item Justiça, Herder, Barcelona, 1970;
(3) Bossuet, Segundo panegírico de São José, exórdio;
(4) Josemaría Escrivá, É Cristo que passa, n. 40;
(5) cfr. João Paulo II, Exort. Apost. Christifideles laici, 30- XII-1988, 2;
(6) Liturgia das Horas, Responsório da primeira leitura da Solenidade de São José;
(7) Josemaría Escrivá, É Cristo que passa, n. 40;
(8) cfr. H. Daniel-Rops, La vie quotidienne en Palestine, Hachette, Paris, 1961, pág. 295;
(2) cfr. J. Dheilly, Diccionário bíblico, item Justiça, Herder, Barcelona, 1970;
(3) Bossuet, Segundo panegírico de São José, exórdio;
(4) Josemaría Escrivá, É Cristo que passa, n. 40;
(5) cfr. João Paulo II, Exort. Apost. Christifideles laici, 30- XII-1988, 2;
(6) Liturgia das Horas, Responsório da primeira leitura da Solenidade de São José;
(7) Josemaría Escrivá, É Cristo que passa, n. 40;
(8) cfr. H. Daniel-Rops, La vie quotidienne en Palestine, Hachette, Paris, 1961, pág. 295;
(9) João Paulo II, Exort. Apost. Redemptoris custos,
15-VIII-1989, 2
Cardeal D. Eugenio de Araújo Sales
Arcebispo Emérito da Arquidiocese do Rio
de Janeiro
07/03/2008