O culto de São José através dos séculos (São Bernardino de Sena)


O CULTO DE SÃO JOSÉ ATRAVÉS DOS SÉCULOS
Edição 01 - SÃO BERNARDINO DE SENA, pregador franciscano (1380 - 1444)  
 
EXÓRDIO
As graças de Deus especialmente em São José, são proporcionadas à sua missão.

A respeito de todas as graças particulares concedidas a qualquer criatura racional, é regra: sempre que a graça divina escolhe alguém para um favor especi­al ou para algum estado elevado, concede-lhe todos os dons necessários à pessoa assim escolhida e sua missão, dons que a ornam abundantemente. Isso é evidente quanto aos Padres do Antigo Testamento. Moisés, Josué, Abraão, Isaac, Jacó, Davi, Salomão e os outros profetas. É evidente também no Novo Testamento, quanto à Vir­gem Santíssima, aos Apóstolos, Evangelistas, Doutores e fundadores de ordem religiosas. E realizou-se plenamente quanto a São José, pai putativo de Nosso Senhor Jesus Cristo, e verdadeiro esposo da Rainha do mundo e dos anjos, o qual foi escolhido, pelo Pai Eterno, para fiel nutridor e guarda de seus principais tesouros: seu Filho e sua esposa. Tal missão, ele a cumpriu fidelissimamente, dirigin­do-lhe o Senhor, em conseqüência, as palavras citadas: “Servo bom e fiel, entra no goza do teu Senhor”... Essas palavras nos revelam, no grande Santo um tríplice estado. O primeiro, de natureza servo bom; o segundo, de graça: e fiel; o  terceiro, de glória: Entra no gozo do teu Senhor. O primeiro exprime a nobreza de sua geração; o segundo, a santidade de sua vida; e o terceiro, a sublimidade de sua glorificação.

TÍTULOS  HUMANOS

Nobreza de São José segundo a carne

Primeiro, eis descrito nesse homem santíssimo o estado de natureza no qual brilha a nobreza de sua geração. Pois o Senhor disse: Servo bom, segundo a nobre  natureza que te conferi. Ele foi, efetivamente, de raça patriarcal, régia e principesca, segundo a linha reta de sua nobreza natural. Para melhor compreender consideremos a nobreza natural de três pessoas: da esposa, do esposo e de Cristo.

1.         Nobreza segundo a carne, a Bem-aventurada Virgem

A bem-aventurada Virgem foi mais nobre que todas as criaturas tendo existido ou por existir. Pois São Mateus, colocando três vezes quatorze gerações, desde Abraão até Jesus Cristo inclusive, mostra que Ela é descendente de quatorze patriarcas, de quatorze reis e de quatorze príncipes. São Lucas, descrevendo também a sua nobreza, a partir de Adão e Eva, prossegue em sua genealogia até Cristo Deus. Cristo, que não tem mãe nos céus, nem pai na terra, recebeu da Virgem toda a humanidade e, em conseqüência, o parentesco que o constitui filho de Davi e lhe dá irmãos de nobre origem. Tudo isso Lhe vem de sua Santíssima Mãe. A dignidade de príncipe, de rei, de patriarca de todo o povo de Israel, foi estabelecida em vista da  Santíssima Virgem para demonstrar claramente que a nobreza corporal, concedida ao gênero humano em Adão, foi dada por Deus principalmente para chegar, por meio de numerosas gerações, à Virgem Maria, e, pela Virgem Mãe, terminar em Cristo, bendito Filho de Deus.

2.         Nobreza de São José, segundo a carne.

São José nasceu de raça patriarcal, régia e principesca, em linha reta. Pois São Mateus leva em linha reta todos esses pais desde Abraão até o esposo da Virgem, demonstrando claramente que nele se terminou toda dignidade patriarcal, régia e principesca.

E se São Mateus, em vez de genealogia de Maria, deu a de São José, que parece não ter relação alguma, a não ser acidentalmente, com a de Cristo, fê-lo por três razões.

Primeiro, para se conformar ao uso dos hebreus e das Sagradas Escrituras, que jamais estabelecem genealogia pelas mulheres ou mães, mas sempre homens e pais.

Em seguida e principalmente, por causa do parentesco Maria e José pertenciam  à mesma tribo,  sendo parentes. Por isso, José e Cristo são chamados pelo  Anjos, pelos Apóstolos e Evangelistas em diversos lugares, como da raça de Davi. Além disso, segundo a Lei, as mulheres e principalmente as herdeiras, como o foi a Virgem, só deviam casar-se com homens de sua tribo, e até de próximo parentesco no grau permitido, como se vê no caso das filhas de Salfaad. Portanto, sendo José um justo, como o afirma São Mateus, se Maria não fosse de sua tribo, jamais a te­ria desposado. Enfim, recensearam-se ao mesmo tempo em Belém, como descendentes da mesma estirpe.

Em terceiro lugar, dá-se a genealogia de José e não a de Maria, para mostrar a excelência do matrimônio de Maria e José, durante o qual nasceu Cristo, e no qual era tão estreita a união que, por sua causa, José foi chamado, e de certo modo o foi verdadeiramente, o pai de Jesus Cristo. A essas razões acrescenta S. Agostinho que os bens do matrimônio; a fidelidade, o filho, o sacramento, encontraram-se no matrimônio santíssimo de José e de Maria.

3.         Nobreza de Jesus Cristo, de certo modo recebida de seus pais

Cristo foi portanto, por parte de ambos os pais, patriarca, rei e prínci­pe, pois recebeu de sua Mãe, ao receber-lhe a substância, tudo quanto os outros homens recebem de suas mães. Por isso, diz o Apóstolo: Que lhe nasceu da posteridade de Davi, segundo a carne (Rom 1,3). São Lucas descreve também a nobreza de Cristo, começando sua genealogia a partir de Adão para terminar no Cristo, Filho de Deus. Essa nobreza fora profetizada pelo patriarca Jacó, ao dizer: Os filhos de teu Pai se prostrarão diante de ti, referindo-se a adoração à divindade. E acrescente: o cetro não será tirado de Judá (Gen 49,8ss). Do exposto resulta pois que os Evangelistas descreveram a nobreza da Virgem e de José para manifestar a nobreza de Cristo. José foi portanto de tanta nobreza que, de certo modo, se é permitido assim exprimir, deu a nobreza temporal a Deus na pessoa de Cristo Jesus.

II  TÍTULOS DIVINOS

A tríplice graça concedida a São José pelo Pai Eterno

Acrescenta o Senhor: É fiel, na graça que te concedi. Tríplice é esta graça: a primeira, de ter vivido com a Virgem; a segunda, de ter vivido com o Filho de Deus; a terceira, a de uma vida especial.

1.  Vida santa de São José com a Santíssima Virgem

Em relação a Maria, é necessário que São José tenha sido admirável em graça e virtude, e isso por três razões.

1) União conjugal:

A primeira razão se deduz da união matrimonial. Existindo entre eles um verdadeiro matrimônio, contraído por inspiração divina, e ha­vendo no matrimônio tal união de espíritos que o esposo e a esposa são chamadas uma só pessoa, sendo esta unidade a maior de todas, segunda a palavra: Serão dois numa só carne (Gen 2,24); como não acharia um espírito refletido que o Espírito Santo tinha de unir à alma da Virgem admirável, com tão estreita união, outra que lhe fosse perfeitamente semelhante pela prática das virtudes? Assim, creio que São José foi puríssimo na virgindade, profundíssimo na humildade, elevadíssimo na contemplação, cheio de solicitude para com a Virgem, sua esposa. E, sabendo a Virgem quão estrita é a união matrimonial no amor espiritual, e que São José lhe fora dado pelo Espírito Santo para esposo, para guarda fiel de sua virgindade, e pa­ra participar com Ela no amor da caridade e na solicitude atenciosíssima em relação ao Filho de Deus é necessário crer que amava mui sinceramente a São José, com toda a afeição de seu coração. Além disso, se a Santíssima Virgem alcança tantos e tão grandes favores para os pecadores inimigos de seu Filho, quantos dons não terá obtido para aquele que tanto amou o seu Filho, alimentando-O com tanta solicitude, e O amava com tão casto amor? E como entre esposos tudo e comum, é necessário crer que Maria Santíssima lhe dava liberalmente todo o tesouro de seu coração, tanto quanto ele podia receber.

Sendo esposa de São José a Santíssima Virgem, e habitando em sua casa, pode perguntar-se porque ambos permaneceram virgens! Ora, era costume, entre os justos, passarem os primeiros tempos do matrimônio na prece e devoção para alcançar a misericórdia de Deus, como se vê pelo exemplo de Tobias. Maria, sendo abrigada a contrair matrimonio, segundo o uso da época, tinha no entanto o firme desejo de guardar a virgindade. Contraiu pois o matrimônio, sem revelar o seu voto de virgindade, confiando-se à Providência Divina. Foi então, segundo se crê, que São José conheceu, por revelação divina, as disposições da Virgem e, de comum acordo, fez também o voto de virgindade. Se na Paixão Cristo confiou sua Mãe somente ao discípulo virgem, não se deve supor que, antes da conceição, enquanto jovem, Ele A tenha confiando aos cuidados de um homem virgem? Por isso, diz São Jerônimo que José foi virgem, para que, por Maria, nascesse de uma união virgem um Filho vir­gem. O homem santo não conhece a fornicação, e como não se diz que tenha tido ou­tra esposa, conclui-se que permaneceu virgem com Maria, e mereceu ser chamado pai do Senhor. Sendo tão amigo da virtude e isento de paixão que não quis, mau grado a suspeita, punir a Virgem, como teria, por paixão, transgredido a lei, ele que pela reflexão se elevara acima da lei? Pois despedi-La secretamente era, na verdade, elevar-se pela reflexão, acima da lei.

2. Habitação sob o mesmo teto.

Em segundo lugar, ele viveu familiarmente com Maria, habitando sempre com Ela. Observemos que, após ter emitido o seu voto, a Virgem foi visitada pelo Arcanjo Gabriel, sem que o soubesse São José, e concebeu do Espírito Santo. Em seguida, com São José, foi às montanhas, para visitar sua prima Isabel e prestar-lhe serviços, mas principalmente para que o precursor de seu Filho fosse santificado por sua presença e lavado por suas mãos, recebeu os seus cuidados. Tendo nascido o precursor, após três meses de permanência, Maria regressou à sua casa.

3. Suspeita de São José.

Foi então que José percebeu a maternidade próxi­ma e concebeu suspeitas. Mas acreditou no adultério? São Crisóstomo e Santo Agostinho a admitem. São José não podia explicar o fato senão pelo curso ordinário da natureza. Ademais, diz São Mateus que, não A querendo difamar, resolveu deixá-la secretamente (Mt 1,19). Se acreditasse na concepção miraculosa, não teria sido justo, privando-A de seu auxílio e consolações. Andando ele com isto no pensamen­to, eis que um anjo do Senhor lhe apareceu em sonhos, dizendo: José, filho de Davi...(Mt 1,20). O que não diria se José, crendo numa concepção divina, quisesse apesar de tudo, despedi-La.

Outros, seguindo Orígenes, dizem que acreditou tivesse Ela concebido do Espírito Santo e quis afastar-se por profundo respeito, como São Pedro, dizendo a Jesus: Retira-te de mim, Senhor, pois eu sou um homem pecador (Lc 5,8); e como o Centurião: Senhor, eu não sou digno... (Mt 8,8). Dão razão a admirável santidade da Virgem, a grande sobriedade e retidão de julgamento em São José. Quanto a nós, ao vermos um santo, como São Paulo ou São Francisco, fazer ou dizer algo que em outro seria inconveniente, não nos apressamos a proferir logo uma sentença des­favorável. Ao contrário, achamos desrespeitoso e temerário tal julgamento. Ora, a Santíssima Virgem prevalecia sobre todos os santos, e tal santidade não podia passar despercebida a São José. A aparência parecia condena-LA, mas todas as outras circunstâncias eram a seu favor.  Jamais A viram imprudente; evitava com o máximo cuidado a companhia dos homens, toda conversação com ele, até a sua pre­sença, e tratava duramente do corpo. Austera para consigo, achava-se abrasada na oração e nos louvares de Deus, sempre calma e grave, franca, vivendo uma vi­da toda celeste, sóbria e piedosa.

Enfim, dizem os outros que o santo homem, passando de uma opinião e outra, não se decidia por nenhuma, permanecendo na surpresa e perplexidade. De um lado, era evidente a maternidade; de outro, tudo era a favor da Virgem, a quem vira tão santa desde o princípio e que, dia a dia, cada vez mais o edificava. Seria a grande razão pela qual não queria difama-la em público, mas despedi-la secretamente, sendo o caso superior a seu julgamento. Essa opinião parece preferível às outras duas; no entanto, de ambas, a primeira é meis conforme  à narra­tiva do Evangelho.

4. Porque semelhante provação.

Mas por que se deixou São José nesta dúvida? A revelação, recebida mais tarde, não lhe poderia ter sido feita antes, como sucedeu à Virgem entes da concepção? Apresentam-se três razões. A primeira para que tenhamos maior certeza do grande fato. O esposo de Maria, homem discreto, sábio e justo, tudo considera atentamente e, segundo os ditames da razão, acha-se na dúvida. E, no entanto, logo se torna tão firme a sua fé que recebe Maria por esposa, e Cristo por Filho. Ao aprendermos isso, vemo-nos mais levados a crer do que se tivesse aceitado tudo desde o início. Por isso, diz São Gregório que. Maria acreditando imediatamente, nos deu menos que Tomé, duvidando por muito tempo.

Em segundo lugar, pare maior firmeza de sus fé. Façamos nós mesmos a experiência; diante de uma séria dúvida, aplicamos todo o nosso espírito à procu­ra da verdade e, em seguida, expulsas pelo conhecimento da verdade todas as dúvidas, temos da verdade uma posse clara e mais firme. E na tentação, quanto mais sentimos a nossa indigência e a necessidade da graça divina, mais crescemos em humildade e em ação de graças a Deus por seus benefícios; melhor nos acaute­lamos contra as tentações semelhantes, empregamos maior cuidado em conservar as graças recebidas; aprendemos enfim a compadecer-nos dos que se acham agitados pela vida e curá-los.

Em terceiro lugar, para mais nos exercitar. Deus nos dá primeiro o co­meço de seus dons; se quisermos conservá-los e aumentá-los, é preciso submeter-­nos à fadiga e à tentação e, pela vitória sobre as tentações, merecer a perfei­ção das graças. Para São José, foi uma graça soberana tornar-se o esposo da Virgem e de certo modo o pai de Cristo, vivendo intimamente com Eles. Após o início desse dom, tornou-se pois necessário que fosse experimentado pelas tentações para aumentar em méritos.

5. Porque o silêncio de Maria em relação a seu esposo e reciprocamente.

Também se poderia perguntar: por que não manifestou Maria a José o divino segredo?  Responde-se que tais revelações devem fazer-se segundo a vontade de Deus. Ora, a Virgem calou-se, convencida de que, assim como o segredo fora revelado a Senta Isabel, seria também aos outros no tempo determinado por Deus.

Pergunta-se ainda: por que não pediu São José a Maria que o instruísse? Responde-se que teria sido vão tal pedido, não sendo possível acreditar em Maria, quando falava em seu favor. Além disso, assim o quis a divina Providência, para que José, instruído pala Anjo, tivesse tal certeza que doravante não mais lhe pudesse subsistir dúvida alguma. Quando teve portanto, pelo testemunho do Anjo, a certeza de que concebera do Espírito Santo, viveu mais humilde e respeitoso para com Ela, crescendo assim em perfeição. Se nós, tão miseráveis, melho­ramos por influencia de homem santos, que nada são comparados a Maria, que grau de perfeição não deve ele ter atingido, vivendo com a Virgem? segundo a pa­lavra do Profeta: Com o Santo serás santo (Ps. XVII, 26).

6) Governo da Sagrada Família.

Pela solícita administração, São José adquiriu uma grande perfeição. Se a Santíssima Virgem não deixa sem resposta uma só Ave Maria, qual não deve ter sido seu cordial reconhecimento para com ele, vendo-o tão assíduo e aplicado ao trabalho a fim de sustentá-La e sustentar também o seu Filho bem amado! A Bem-aventurada Virgem considerava quanto se expunha aos perigos para conservar a vida de Jesus, como para conduzi-Lo ao Egito e  traze-Lo de lá, para conduzi-Lo a Jerusalém na ocasião das solenidades legais e a outros lugares. Assim, ponderando bem o que um espírito devoto e judiciosos pode razoavelmente contemplar em São José e na Virgem bendita, não ousaria di­zer que a Bem-aventurada Virgem não tenha amado a São José tanto quanto a qualquer outra criatura, e até mais, depois de Jesus, bendito fruto de seu seio. Refiro-me ao amor conjugal; pois, quanto à caridade, Ela mais amava os melhores diante de Deus.

2.         Perfeição adquirida por São José ao viver com o Senhor

Relativamente a esta graça, há duas coisas a admirar nesse santo homem: a co-habitação e a administração em suas diversas necessidades, o que se refere tanto a Jesus quanto à Virgem e lhe mereceu graças e virtudes admiráveis. Que perfeição não lhe deve ter acrescentado essa co-habitação com Deus, tratando-o exteriormente o bendito Jesus com respeito e obediência, como a seu pai; sendo chamado, não só seu pai, mas agindo publicamente como um verdadeiro pai em relação ao filho, em palavras e atos, pelos cuidados e autoridade; e por outro lado tratando Cristo como tal? Se assim não fora os vizinhos e o mundo logo perceberiam que não era seu filho. Por isso esta escrito: E era-lhes submisso, a mãe e ao pai. putativo. São José aplicou-se principalmente em três coisas, nas suas relações com Jesus, a que lhe granjeou uma grande perfeição.

1 Inexprimível pureza.

Foi antes de tudo uma pureza muito respeitosa. Que respeito, que pureza de alma de corpo no lhe eram necessárias, a toda hora nas relações e palavras com Jesus, velando, dormindo, fazendo as refeições a seu lado, e com sua Mãe, vivendo sob o mesmo teto, ou viajando com ele? Vendo em Jesus as necessidades da infância e os outros sinais de nossa mortalidade, admirava feliz a grandeza da imensidade divina, abaixando-se a tal ponto por amor, a fim de nos pregar com o exemplo, inflamar-nos de amor e conservar-nos na humildade. Quanto se purificava a alma da santo homem a esse espetáculo, que enche os nossos pétreos corações de suavidade e de amor por essa divina condescendência! Pois a alma piedosa experimenta mais doçura ao ver o Altíssimo descer até a nossa pobre natureza, repousando em uma manjedoura para nos manifestar a nossa miséria e chorando com os próprios olhos sobre a nossa queda, do que ao vê—Lo ressuscitado dos mortos para manifestar o seu poder ou criando a multidão dos anjos. Sem dúvida, Ele tudo faz com a mesma bondade, mas somos ma­is sensíveis aos atos de sua ternura.

2 Extraordinária fidelidade.

Em segundo lugar, teve para com Jesus uma extraordinária fidelidade. Era sempre com resplandecente espírito de fé que se aproximava de Jesus, tocando seus ombros infantis para auxiliá-Lo nas necessidades; e quando maior, para contemplar-Lhe os atos, gastos e mínimas palavras. Sentia-se maravilhado, admirando em seu coração e vendo com os próprios olhos que o Filho de Deus se fizera seu filho e o escolhera para alimentá-Lo, conduzi-Lo, dirigi-Lo e conserva-Lo por entre as exigências de sua vida mortal.

3 Viva afeição.

Em terceiro lugar, dedicou a Cristo ardentíssima caridade. Quando O segurava nos braços como pai, e Cristo balbuciava ou se entretinha com ele como pai, como duvidar de que Cristo menino, ou já mais crescido lhe enchesse a alma com uma alegria toda divina, enquanto exteriormente o olha­va, falava-lhe, abraçava-o com amor? Oh! que doces beijos d’Ele recebeu! Com que doçura O escutava, criancinha, a balbuciar, chamá-lo de pai, abraçá-lo tão ternamente! Em viajem, quando o menino Jesus se achava fatigado, como se senti a feliz em aliviá-lo e quando maior, em fazê-lo repousar ao coração! Pois o amor lhe fazia considerar dulcíssimo Filho o Menino que o Espírito Santo lhe dera da Virgem Maria, sua Esposa. Por isso, a Mãe, conhecendo-lhe a afeição a seu Filho Jesus, diz ao Filho bem amado que encontra no templo: Filho, por que procedeste assim conosco? Eis que teu pai e eu te procurávamos cheios de aflição (Lc, 2,48). Em Cristo há dois sabores: um de doçura, outro de dor. O primeiro, de doçura, experimentara-o a Bem-aventurada Virgem, como o demonstram as palavras: Filho, por que procedeste assim conosco? Somente nesta circunstância, a Virgem chama a Jesus de seu filho, demonstrando por essas palavras a doçura inefável que experimentara em ter tal filho. Mas há também um sabor de sofrimen­to ou amargura, assim expresso pela piedosa Mãe: Eis que teu pai e eu te procurávamos cheios de aflição. E como São José participava maravilhosamente desses dais sabores, eis porque a Virgem o chama particularmente pai de Cristo. E só neste caso a Virgem chama a José pai de Jesus, porque a dor experimentada com a perda de Jesus mostra que nele existia um verdadeiro amor de Pai. E se, de acordo com as leis humanas aprovadas pelas divinas, um estrangeiro pode adotar qualquer um como filho, com maior razão o Filho de Deus, dado a José em sua santíssima Esposa, sob o admirável sacramento de um virginal matrimônio, deve ser chamado seu filho e deve crer-se também que nele existia o verdadeiro sentimento de amor e de dor em relação ao bem-amado Jesus.

Portanto, se a experiência nos prova que é quase impossível viver certo tempo com um grande santo, como São Paulo ou São Francisco, sem receber admiráveis luzes, transportes de amor e consolações da parte de Deus, com maior razão é necessário crê-lo em relação a esse grande santo que viveu por tão longo tempo com Cristo e sua Mãe, e viveu como pai e nutridor de Cristo, com 1egítimo esposa da Virgem, padecendo por eles. dias e noites, trabalhos e viagens.

3 . Só por José nasceu o Cristo prometido aos antigos Profetas

A terceira graça concedida por Deus a esse santo ancião é a de uma vida especial. Comparado a toda a Igreja de Cristo, não é ele o homem eleito e único por quem e sob quem Cristo foi introduzido no mundo, segundo a ordem conveniente? Portanto, se toda a Santa Igreja é devedora à Virgem Mãe, de se haver tornado, por seu intermédio, digna de receber o Cristo, sem dúvida que depois Dela, a ele deve graças e veneração especial.  E ele a chave do Antigo Testamento, em quem as dignidades de patriarca e de profeta obtêm o fruto prometido. O que De­us se dignara prometer-lhes, só ele o possui corporalmente.

Com justo motivo, é pos figurado pelo patriarca José, que conservou o  trigo para os povos. Mas, sobre estes, prevalece em dignidade, pois não conservou para os egípcios o pão Material, mas para todos os eleitos o pão vivo do céu, que comunica uma vida celeste a qual nutriu com tanta solicitude.

O Evangelho não diz quando morreu, mas geralmente se crê ter sido antes da Paixão do Senhor. Tê-lo-iam visto junto à Cruz se fora vivo; e neste caso Cristo na Cruz não teria necessidade de confiar a outro sua Santa Mãe. Morreu, talvez antes do batismo de Cristo, pois a partir desse momento não e mais mencionado no Evangelho, exceto quando censuram desdenhosamente e Cristo por ser Filho de um operário: Não é este o filho do carpinteiro? (Mt 13,55). Portanto, deve acreditar-se piedosamente que assistiram à sua morte o bom Jesus e a Virgem, sua esposa santíssima. Deixou às almas piedosas o cuidado de considerar as exportações, consolações, promessas, transportes de amor, revelações dos bens eternos, que ele recebeu no momento de entrar na eternidade, por parte de sua santíssima Esposa e de Jesus, dulcíssimo Filho de Deus. Deus quis que morresse an­tes da Paixão do Senhor, primeiro, para evitar-lhe a dor imensa que lhe causaria essa morte, e depois, para que no tempo da Paixão, a privilégio da fé estivesse reservado à Virgem somente.

Esse Santo recebeu tão grande dignidade e glória que o Pai eterno lhe concedeu liberalissimamente a semelhança de sua autoridade sobre o Filho encar­nado. A exemplo do Pai celeste, a Igreja na terra honra esse grande Santo com solenidade do rito mais elevado.

III TÍTULOS GLORIOSOS

A recompensa de glória que São José obteve na alma e no corpo

1. Na alma: Entra no gozo do teu Senhor

Tendo Cristo em sua vida terrestre concedido tanta familiaridade, respeito, sublime dignidade àquele a quem tratava como filho ao pai, deve ter-se a mais absoluta certeza de que no céu não lhe retirou seus favores, mas ao contrário, os aumentou e aperfeiçoou. Assim, aplicam-se-lhe as palavras: Entra no gozo de teu Senhor. Embora o gozo da eterna bem-aventurança penetre no coração do homem, tais palavras nos fazem compreender que essa alegria não e somente inte­rior, mas como um oceano que o envolve e no qual se acha mergulhado.

2. No corpo

É também piedosa crença que a dulcíssimo Filho de Deus, Jesus, ornou seu pai adotivo com o mesmo privilégio de sua Mãe Santíssima, a quem elevou ao céu gloriosa no corpo e na alma, associando-A, na dia de sua ressurreição, a glória de sua própria ressurreição. De tal modo que a Sagrada Família, Jesus, Maria e José, tendo vivido juntos na terra nos trabalhos e amor de Deus, reinam agora em corpo e alma no céu, no seio da glória que os abrasa de amor. Diz o apóstolo: Assim como sois companheiros nas aflições, assim o sereis também na consolação (II Cor 1,7). Ora, escreve ele: Muitos corpos de santos, que tinham adormecido, ressuscitaram, à ressurreição de Cristo que é o Primogênito dos mortos, e o príncipe dos reis da terra. Essa ressurreição é descrita par antecipação para demonstrar que ao realizou pela virtude e mérito da Paixão de Cristo. Ressuscitaram com Cristo como testemunhas de sua ressurreição: E saindo das sepulturas depois da ressurreição de Jesus, foram a cidade santa, e apareceram a muitos (Mt 27,53). Pode crer-se piedosamente que entre esses ressuscitados estava a santíssimo homem. É perfeitamente para crer que esses ressuscitados não morreram de novo, mas subiram ao céu com Cristo. Primeiro, para mostrar que Cristo não é o único a ressuscitar, mas também os seus eleitos: Ressuscitaremos todos. Depois, para mostrar que, se é diferida a reunião do corpo e da alma, e para que essa grande obra se realize com maior solenidade. Estes não receberam o objeto da promessa, da glória eterna, tendo Deus disposto alguma coisa me­lhor para nós, a fim de que eles, sem nós, não obtivessem a perfeição da felicidade (Heb 11,39-40) na glória com seus corpos. Portanto, se por uma causa razoável a por um singular privilégio, a ressurreição foi antecipada para esse grande Santo e alguns outros, de modo que desde então esteja o seu corpo reunido à alma, não há nisso desordem alguma. Pois, se deve ser observado o curso natural e das coisas, é preciso reservar sempre o privilégio do Onipotente.

ORAÇÃO A SÃO JOSÉ

Lembrai-vos de nós, ó bem-aventurado José; por vossa oração intercedei por nós junta a vosso Filho adotivo, tornai-nos propícia a bem-aventurada Virgem, vossa Esposa, Mãe d’Aquele que com o Pai e o Espírito Santo vive e reina por todos os séculos dos séculos.

O AUTOR

SÃO BERNARDINO DE SENA, pregador franciscano, nascido em Massa Marítima  em 1380 e morto em Aquila, 1444. Pregou em toda a Itália e trabalhou na reforma dos costumes.